A palavra castigo carrega em si um peso negativo, pois remete a experiências a que, historicamente, as pessoas recorriam para punir, verbal ou fisicamente, alguma criança com o objetivo de corrigir os comportamentos entendidos como inadequados. Mas será que ainda hoje é cabível esse termo? Será que o castigo é a melhor escolha quando pensamos na construção dos valores morais para as crianças?
Educar um filho é uma tarefa nada fácil. Sabemos que os desafios são muitos, e é difícil estar sempre pronto ou pronta para conduzir com tranquilidade e bom senso as situações que surgirão. Precisamos reconhecer as nossas emoções, validá-las para também ajudar nossos filhos a reconhecerem as suas e encontrarem ferramentas para lidar com elas. Porém, nunca podemos perder de vista que os adultos da relação são os pais ou responsáveis, e é muito importante que a figura de referência aja como a mediadora ou o contraponto para ajudar a criança a entender um combinado ou um comportamento inadequado.
Estudos indicam que punições físicas, até mesmo as leves “palmadas”, são prejudicais para o desenvolvimento das crianças. Quando a criança sofre algum tipo de agressão, física ou verbal, os níveis de cortisol (o hormônio do estresse) sobem e causam inúmeros prejuízos à saúde física e emocional.
A educação positiva é a melhor forma que conhecemos para promover um processo de compreensão das regras e do mundo social de maneira realmente efetiva e benéfica para os outros campos do desenvolvimento infantil, como a cognição e a sociabilidade.
A capacidade de lidar com os conflitos de forma mais positiva e o desenvolvimento de atitudes respeitosas e cooperativas são aprendizagens que não acontecem da noite para o dia. Não se trata de ser permissivo com os pequenos, mas de acompanhá-los no processo de conquista da autonomia responsável, entendendo que é uma aprendizagem gradual. Quando usamos de afeto e diálogo, há uma grande chance de atingirmos mais efetivamente as crianças, pois, dessa forma, o comportamento não será corrigido em função do medo, que só reforça a heteronomia, ou seja, a necessidade de ter sempre um regulador externo para agir de forma responsável e correta.
De acordo com a pesquisadora Telma Vinha, a criança nasce no chamado período de anomia, que é uma ausência de regras. Nessa etapa, ela não tem noção do certo ou do errado e, com afeto e muito diálogo, avança, por volta dos três ou quatro anos, para o período da heteronomia, quando começa a perguntar “isso pode? ”, “isso não pode? ”.
A heteronomia é o tipo de moral que está firmada na regulação do outro, precisa-se do apoio do outro para se ajustar a conduta. Com o tempo, essa heteronomia precisa evoluir para a autonomia moral, por volta dos oito ou nove anos, idade em que a criança começa a ter condições intelectuais para construir essa autonomia – processo sem fim, que vai acompanhá-la ao longo da vida.
A construção da autonomia moral é um processo de aprendizagem que não deve ser solitário, e é nesse ponto que a escola tem um papel fundamental, como um espaço para a convivência e o conflito (entendido como troca de ideias/ confronto de visões). Quando bem conduzidos, fundamentados no respeito e na cooperação, os conflitos são altamente educativos.
Em casa, o caminho também é semelhante. A criança precisa de bons exemplos para resolver os contextos de conflito. Com base no afeto, é possível restaurar as situações com o que os pesquisadores chamam de “sanções por reciprocidade”, aquelas que ajudam a corrigir algo de acordo com o feito: “você quebrou o brinquedo, como podemos arrumar? ”.
Para a pesquisadora Flavia Vivaldi, “a qualidade da abordagem do adulto fará a diferença entre a aproximação ou o distanciamento dos valores morais necessários para a convivência social”.
Em resumo, é importante que os pais entendam que:
– A construção da moralidade é gradual e deve ser aprimorada por toda a vida;
– Crianças bem pequenas tendem a agir por imitação, então os padrões comportamentais dos pais são modelos;
– Crianças bem pequenas estão aprendendo a reconhecer as emoções e lidar com frustações. É preciso acolher seus sentimentos, validá-los e ter firmeza com leveza para ajudá-las a avançar em suas aprendizagens;
– Crianças que são educadas em ambientes positivos, com acolhimento e diálogo, têm melhor autocontrole e apresentam maior capacidade para o aprender;
– Crianças precisam de carinho, tratamento justo, segurança emocional, apoio para melhorar continuamente;
– Quanto menor a criança, menos recursos terá para lidar com suas emoções e frustações, então os pais precisarão de paciência e persistência, pois não basta que se diga uma orientação e dar por certo que a criança já irá incorporar;
– Pais e responsáveis precisam ter em mente que, assim como nós adultos temos dias mais difíceis, as crianças também podem ter variações de humor por uma necessidade fisiológica, como sono ou fome, mas pode ser também que elas tenham a necessidade de um tempo para elaborarem alguma sensação e se acalmarem naturalmente.
Não há receita, mas há pesquisas e muito conhecimento circulando que nos dão ferramentas para a promoção de uma infância mais plena, respeitada e acolhida.
Fontes:
https://srcd.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/cdev.13565
https://www.youtube.com/watch?v=pqX95C80v2s&t=37s
file:///C:/Users/sadriao/Desktop/quem-disse-que-expor-o-aluno-e-uma-boa-solucao-para-ele-entrar-na-linha.pdf